segunda-feira, outubro 30, 2006

ENTRE O SER E AS COISAS

baseado no poema XVI, de Hilda Hilst. extraído do livro “balada de alzira”.
“onda e amor, onde amor, ando indagando
ao largo vento e à rocha imperativa,
e a tudo me arremesso, nesse quando
amanhece frescor de coisa viva”
(carlos drummond de andrade)

escrevo triste no meu canto. só – como sempre estive. só – como sempre estou. descubro as paredes se movendo. elas dançam diante dos meus olhos. guardam meu segredos e são fieis ao meu silêncio. amanheço em sua brancura amarelada refletida pelos raios de um sol que eu nunca vi. eu não mereço ser Deus para iluminar. tenho hábitos noturnos e sou adepto da escuridão. tenho black-outs internos [...] penso nas coisas e percebo que elas não existem. “o que vemos das coisas são as coisas”, mas o que existe é uma idéia melancólica e suave que fazemos delas. uma idéia abstrata e móvel das coisas fixas. a minha mesa de escrever é feita de amor e de submissão. no entanto, ninguém a vê como eu a vejo. para os homens, é feita de madeira e coberta de tinta. para mim também, mas a madeira somente lhe protege o interior e o interior é humano. há um gesto de cumplicidade entre o ser e as coisas. um elo que os envolve. um afeto incomensurável capaz de transcender tempo e espaço e perfazer-se num valor sentimental inimaginável. os livros são criaturas. cada página um ano de vida, cada leitura um pouco de alegria e esta alegria é igual ao consolo dos poetas quando permanecemos inquietos em resposta às suas inquietudes. estas linhas guardam a minha indagação. o café excita a consciência irracional, o lumière ilumina as palavras e os dicionários dão sentido ao que envolve o ser humano. há passagens do tempo que os relógios não contam... é nesta solidão que me dispo diante dos versos que espelham o meu corpo, a minha vida, a minha dor. ando indagando às minhas dúvidas se, submerso, compreenderei o sentido das coisas. e o que tenho como resposta é a cumplicidade das paredes. faço amor com minha máquina de escrever. acaricio seus seios alfabéticos enquanto ela me devolve ininterruptos argumentos sobre o que se passa nos meus pensamentos. há um elo entre nós, um laço de afetos. deixo-me estar neste eterno envolvimento. aqui reconheço minhas digitais em todos os cantos, esses cantos que me abrigam só. escrevo triste no meu quarto e então percebo que as coisas não existem. a idéia, sim. a idéia é infinita igual ao sonho das crianças.
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(Intertextos: Hilda Hilst/Fernando Pessoa)
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2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Hugo,
descobri seu site através do orkut e estou encantada com tudo o que foi postado aqui. Não conhecia o seu trabalho e agora admito que virei uma fã que frequenta a Casa Sana diariamente. Você muito criativo e seus poemas fazem a gente viajar em direção a literatura através da própria literatura. Vc acaba sendo um pouco auto-reflexivo. Gostaria de poder manter um contato com vc, pode ser? Sou professora de literatura de uma escola pública em Diamantina e add vc no orkut. Ficaria muito grata com seu retorno. Um forte abraço e obrigada pela fantástica literatura de qualidade.

PS: Qual q origem e o significado de "Casa Sana"?

Anônimo disse...

Oi Hugo, tudo bem? Meu nome é Eugênia Souza Assumpção e como a coleguinha que já deixou um comentário, também sou professora de português, mas trabalho numa escola particular no bairro Santa Efigênia, aqui em BH mesmo. Li todos os seus poemas e fiquei impressionada com a relação intima que você tem com as palavras. É fantástico esse dinamismo seu. Eu infelizmente não tenho orkut, mas queria saber como eu faço para poder contactar você e gostaria também de saber se você já tem algum livro publicado.

Muito obrigada pela atenção e um grande abraço.

Meu e-mail: eugenia.assumpcao@terra.com.br