segunda-feira, outubro 13, 2008

MIRÓ: REVISITADO



No último dia 11, o poeta Hugo Lima concluiu mais um dos seus projetos. Trata-se de uma tatuagem no alto do braço esquerdo. Porém, como muitos sabem, Hugo Lima não seria Hugo Lima se tatuasse nomes, tribais, dragões, flores ou qualquer um desses desenhos que metade da população mundial tatuada escolhe para marcar o corpo. E mais uma vez, ele surpreende traçando a reprodução do estudo de uma das obras mais importantes do pintor espanhol Joan Miró. Como esse “grand événement” não poderia jamais passar em brancas nuvens, resolvi fazer algumas perguntinhas ao poeta e registrar aqui mais um grande momento em sua trajetória. A entrevista aconteceu no Café do Palácio, algumas horas depois da sessão no estúdio. (Por Clarice Spain)

C.S: Hugo, por quê Miró?

H.L: A vida e a obra de Miró sempre influenciaram direta ou indiretamente a minha poesia. Desde as suas sinuosas linhas coloridas ao seu obstinado silêncio. Ao transcender a pintura, ele procura escapar à experiência puramente visual, conduzindo a sua arte por meio de uma atividade sistemática numa direção mais conceitual. De forma menos ou mais sutil, é o que venho buscando em tudo o que tenho feito enquanto arte, não só na poesia. O movimento e a cor que ele dá às suas telas é o mesmo que impulsiona e colore a minha poética. A delicadeza e a consistência dos seus traços são os mesmos que eu tento reproduzir na minha obra. Sem contar que Miró também fez muitas pinturas-poemas aliando a cor à palavra ou ao algarismo. Eu talvez faça o processo inverso, poemas-pinturas, associando elementos da pintura na reprodução das imagens que descrevo em meus versos. A linguagem pictórica de Miró evolui num sistema de sinais e de cores que traduzem cada elemento da natureza e impregnam a mais pequena coisa de uma ressonância mágica. Sinteticamente, é essa a minha relação com a vida e a obra dele.

C.S: E por quê as “Constelações”?

H.L: Bom, pouco depois do deflagrar do conflito mundial, Miró inicia uma série de pinturas chamadas “Constelações”, nas quais ele cria um cosmos pontuado de estrelas, luas, sóis e diversos signos. Essa série se tornou um marco na sua carreira e é a obra mais importante em toda a sua trajetória artística. De todas, é também a obra que mais aprecio pela singularidade, pela riqueza de detalhes, pela genialidade e pela delicadeza que permeia todas as telas da série. São estrelas, pontos, traços assimétricos, olhos e uma infinidade de signos que compõem a linguagem única e introspectiva do artista. Talvez, capaz até de traduzir o seu silêncio obstinado, porque eu acredito que de nenhuma outra forma Miró poderia ser mais sincero senão através de sua arte. Ele sempre foi uma pessoa reservada e muito criativa e prezava a singularidade que, aos poucos, foi se tornando sua própria identidade. Isso ganha infinitas proporções nessa série, “Constelações”, porque aquelas imagens jamais serão reconhecidas em nenhum outro artista. E, se terão a mesma idéia daqui pra frente, eu não sei. O que eu sei é que fui o primeiro a reproduzir toda essa “singularidade” dos céus de Miró no corpo, a imagem que escolhi nunca havia sido tatuada antes e isso enriquece, de certa forma, a importância da minha homenagem a um dos meus artistas favoritos. (Neste momento, Hugo dá algumas risadas, pede uma água e conta rapidamente que logo após ter terminado a tatuagem, rasgou a fotocópia do tatuador e o proibiu de refazer a tatuagem em outras pessoas).

C.S: Foi dolorido?

H.L: Eu diria que valeu a pena.

C.S: E você pretende fazer outras tatuagens?

H.L: Não sei, Clarice. Sempre quis ter apenas 3 tatuagens. Todas elas com a sua devida importância pra mim. Jamais tatuaria algo pelo simples valor estético. Nesses casos, prezo muito mais o contexto do que a imagem em si. Tatuagem é algo que se estampa pra sempre, por isso deve significar algo muito importante. Tribos indígenas, hindus, budistas, aborígines tatuam seus corpos para comunicar, dizer, simbolizar, expressar alguma coisa. Daí o surgimento da tatuagem estética que é essa que as pessoas fazem a torto e a direita pelo corpo a fora. A minha intenção também é a de comunicar, dizer, simbolizar, expressar algo. Representar, com um corpo marcado, fases importantes na minha vida. A primeira já está pronta e muito bem feita. Pode ser que outras venham em breve ou ao longo de muitos anos. Pode ser que eu não faça mais ou que eu tatue outras 4 ou 5... Não sei ainda.

C.S: Mas seriam outras reproduções de Miró?

H.L: Não sei. Pode até ser que sim, por que não? Mas não acredito que vá fazer mais alguma reprodução dele. Propus tatuar “Constelações” como uma missão e está já está cumprida. Não descarto possibilidades, mas acho pouco provável...

C.S: E onde foi que você fez a tattoo? Com qual tatuador?

H.L: Com o Leandro, da Santa Madre. Ele é namorado de uma grande amiga minha e é o dono do estúdio.

C.S: Ok! Muito obrigada pela gentileza em me conceder essa entrevista e eu espero que essa tatuagem marque então uma nova e excelente etapa na sua vida.

H.L: Sim, já está marcando. Eu é que agradeço!

terça-feira, outubro 07, 2008

INDIE 08


INDIE 2008 traz olhar contemporâneo através do cinema independente.

A mostra, nesta oitava edição, apresentará mais de 130 filmes nacionais e internacionais em Belo Horizonte, 70 inéditos no país.

O futuro pode estar começando agora. O cinema não é uma arte simples e pode, ao mesmo tempo, ser popular e hermético, entreter, incomodar, ser leve ou difícil. Este cinema múltiplo, tão amplo e rico de possibilidades, e direcionado para o futuro estará em exibição em Belo Horizonte entre os dias 09 e 16 de outubro. Há oito anos, o INDIE – MOSTRA DE CINEMA MUNDIAL encontrou seu espaço na cidade, desde 2001, foram 150.000 espectadores, 981 filmes exibidos, em 1.427 sessões gratuitas.

O INDIE 2008 exibirá 134 filmes, sendo 72 inéditos no Brasil, e será inteiramente dedicado ao cinema contemporâneo de 17 países. Serão 121 sessões, todas com entrada franca.

Nesta oitava edição, a programação do INDIE 2008 apresenta seções dedicadas as últimas novidades que vêm do cinema realizado no Japão, Alemanha e França. O Nippon Connection on Tour é um amplo espaço para assistir ao audiovisual japonês jovem e atual; para entender qual o movimento que acontece hoje no cinema alemão é preciso ver os filmes da Nova Escola de Berlim; e as esperanças francesas estão nos seus diretores dos primeiros filmes. Mas o INDIE é também a Mostra Mundial, com seus lançamentos, estréias e expoentes do cinema internacional de 12 países; o Indie Brasil com uma geração autoral de realizadores brasileiros; e o Música do Underground que traz os mais importantes documentários sobre música do ano.

O INDIE 2008 – MOSTRA DE CINEMA MUNDIAL tem patrocínio da Oi, apoio da Contax e Oi Futuro com os benefícios da Lei Estadual de Incentivo a Cultura de Minas Gerais e Lei Municipal de Incentivo a Cultura de Belo Horizonte. É uma realização da produtora Zeta Filmes.

Veja os destaques de cada um dos 7 programas:

[MOSTRA MUNDIAL] Está subdividida em duas seções - Novos Diretores/ Novos Filmes e Première - traz ao todo 29 filmes, de 12 países.
> A Novos Diretores/ Novos Filmes representa o conceito curatorial principal do INDIE ao selecionar 15 filmes inéditos no país, de uma nova geração de cineastas. Apresentar estes novos diretores, da cena ficcional e documental, e tornar possível que estes filmes sejam conhecidos no país é um dos objetivos do INDIE. Vale destacar: Anywhere USA, de Chusy Haney-Jardine, Prêmio Especial do Júri no Sundance (2008); o inglês Como Ser, de Oliver Irving, Menção Honrosa do Júri no Slamdance Film Festival (2008); Loren Cass, de Chris Fuller que vem de uma carreira de dezenas de festivais internacionais; ou o oportunista dos documentários políticos como A Ameaça - que acompanha o polêmico Hugo Chávez e o povo venezuelano.
> Já na seção Première, estão 14 filmes em pré-estréia. O INDIE adianta o lançamento dos filmes que chegarão ao circuito comercial: importantes nomes do cinema europeu como A Fronteira da Alvorada, de Philippe Garrel; e O Silêncio de Lorna, dos irmãos Dardenne; as produções asiáticas como o filme chinês Destino Traçado, de Conrad Clark, e o indonésio A Fotografia; além do cinema americano independente como Hannah Takes The Stairs, de Joe Swanberg.

[INDIE BRASIL] Quatro documentários e dois filmes de ficção estão no programa dedicado à produção nacional recente. O diretor Eryk Rocha apresenta Pachamama, um registro da sua viagem pela América Latina; o videoartista Carlos Nader exibe seu filme-homenagem ao cativante Waly Salomão em Pan-Cinema Permanente; a estréia do mineiro Gibi Cardoso na direção em Tomba Homem; e a pré-estréia do documentário da paulista Carla Gallo, O Aborto dos Outros. Para completar, duas ficções bem diferentes: o paulista Marcelo Galvão apresenta o já polêmico Rinha; e o cinema do cearense Petrus Cariry em O Grão.
Como complemento às exibições do Indie Brasil, os diretores brasileiros estarão nos dias 10 e 11 discutindo o processo de criação na série Diálogos Independentes que terá mediação do jornalista Cássio Starling. (veja programação abaixo).

[NIPPON CONNECTION ON TOUR] O audiovisual japonês jovem e contemporâneo é a característica da programação apresentada no Nippon Connection Film Festival. Realizado há oito anos na Alemanha, em Frankfurt, o festival é responsável por promover um intercâmbio com o novo cinema japonês e apresentá-lo também em outros países. É a primeira vez que é exibido no Brasil. A curadoria apresentada no Indie 2008 é focada em obras digitais e que apresentam idéias autorais em animação, video-arte, documentários, longas de ficção e curtas. São 49 obras, sendo 4 longas e 45 curtas divididos em 6 programas. Programa realizado com o apoio da Fundação Japão.

[MÚSICA DO UNDERGROUND] Dedicado aos documentários sobre música, o foco este ano são os artistas. Dos músicos solitários do filme inglês Uma Banda de um Homem Só, às figuras emblemáticas de Arthur Russell e Gary Wilson, passando pelos artistas sobreviventes da região do Tsunami, na Ásia, do filme Laya Project. Um dos mais badalados documentários deste ano, Combinação Selvagem: Um Retrato de Arthur Russell traz toda a importância da obra desse músico reconhecido na cena erudita, experimental e disco. Já o filme, Você Acha Que Me Conhece Realmente, de Michael Wolk, tenta entender como um artista como Gary Wilson faz um disco memorável e desaparece. O programa traz também o documentário sobre a banda Joy Division, e os jovens de Reno, EUA, que puderam filmar e acompanhar os bastidores do show da banda Sonic Youth.

[PREMIERS FILMS] Numa edição na qual o INDIE está focado no cinema contemporâneo e na nova geração de diretores não poderia faltar um programa dedicado aos primeiros filmes. São cinco cineastas estreantes vindos do sólido cinema francês. Destaque para os filmes que estarão estreando no país: Tudo Perdoado, da ex-crítica da Cahiers du Cinéma, Mia Hansen-Love, que foi exibido na Quinzena dos Realizadores de Cannes (2008); e 7 anos, de Jean-Pascal Hattu que participou de diversos festivais tais como Veneza, Roterdã, Toronto e San Francisco.

[NOVA ESCOLA DE BERLIM] Um novo movimento surge em 2001 no cinema alemão. Alguns começam a chamá-lo de “Nova Escola de Berlim”, mas críticos alemães arriscam e o catalogam como “Nouvelle Vague Alemã”. Três novos diretores fazem parte do início desta “nova onda”: Angela Schanelec, Thomas Arslan e Christian Petzold. Todos estudaram na dffb (Deutsche Film und Fernsehakademie Berlin) com artistas importantes como Harun Farocki. A filosofia da Escola se consagra no espírito indie: muita energia e baixo orçamento. Serão exibidos 5 filmes importantes dessa nova onda como Entardecer, de Angela Schanelec; Fantasmas, de Christian Petzold; e Bangalô, de Ulrich Köhler.

[CINEMA DE GARAGEM] O INDIE abre espaço ao vídeo autoral brasileiro. São 34 curtas – divididos pelos temas Sonhos, Gravidade, Caracteres, Inclassificáveis - realizados de forma independente, num programa que teve curadoria do artista Dellani Lima. O vídeo brasileiro, lírico, poético, punk e documental.

O INDIE 2008 acontecerá no Cine Humberto Mauro e nas 4 salas do Usina Unibanco de Cinema. Os ingressos estarão disponíveis nas bilheterias dos cinemas, 30 minutos antes de cada sessão (não há entrega antecipada).

A programação completa pode ser conferida no site www.indiefestival.com.br e no blog oficial do evento em http://blogindie.blogspot.com/.

SERVIÇO
INDIE 2008 – MOSTRA DE CINEMA MUNDIAL
09-16 de outubro, bhz.

||| LOCAIS:
Cine Humberto Mauro – Palácio das Artes – Av. Afonso Pena 1537 – Centro - BH
Usina Unibanco de Cinema – Rua Aimorés 2424 – Santo Agostinho - BH

|| INGRESSOS: ENTRADA FRANCA
Ingressos disponíveis nas bilheterias dos cinemas, 30 minutos antes de cada sessão.

|| ABERTURA
DIA 09.10 | 20 h | Cineclube Unibanco Savassi - somente para convidados – exibição do filme francês A Fronteira da Alvorada, de Philippe Garrel.
O filme será exibido novamente, numa sessão aberta ao público, no dia 10.10 – 21:30h - Usina 1.

||| DIÁLOGOS INDEPENDENTES: relatos sobre a criação, o filme e seus processos subjetivos.
Eles: Sobre a criação, o filme, o fazer, a experiência de filmar.
Ele: Sobre o olhar do outro, a expectativa, a idéia.

Primeiro Dia – 10.10 (sexta) – Usina 3 - 21:00h.
Marcelo Galvão (Rinha) e Carla Gallo (O Aborto dos Outros)
Mediação: Cássio Starling

Segundo dia – 11.10 (sábado) – Usina3 - 21:00h.
Carlos Nader (Pan-Cinema Permanente) + Eryk Rocha (Pachamama) + Gibi Cardoso (Tomba Homem)
Mediação: Cássio Starling

||| MAIORES INFORMAÇÕES:
Para o público: 31 8544.9902
Para a imprensa: 31 32968042 \ 99689414
Site: www.indiefestival.com.br
Blog oficial: http://blogindie.blogspot.com/

sábado, outubro 04, 2008

O REMÉDIO, O VENENO E SEU ANTÍDOTO




Vem aí o livro Saga Lusa – o relato de uma viagem de Adriana Calcanhotto...

Voltei do segundo show pálida, trêmula, mas mantendo a pose no meu deslumbrante robe azul. Subi no elevador com uns africanos que se entreolhavam, tentando localizar de que tribo são as senhoras que andam de robe de veludo e havaianas, com uma braçada de flores na mão e olheiras que as fazem parecer um urso panda disfarçado de cantora – vestida e com a maquiagem borrada pela ex-mulher do Gerald Thomas. Eu tremia de frio, mas sorri, claro, pros africanos. Tomei um banho quentíssimo, durante longos minutos porque, pra mim, esta é a melhor hora dos shows e porque precisava me aquecer e não conseguia. Um urso panda certamente não se enganaria, mas eu, até então, não tinha me dado conta de que estava ardendo em febre e que um banho pelando não ajudaria muito, sabe que o QI das cantoras...

Eu mesmo já me encontrei em situações bem parecidas às que a Adriana relata no livro. No meu caso, a própria escrita era a febre. Já passei dias e noites de cama por simplesmente querer escrever o poema que não escrevi. Isso é o que chamam popularmente de "querer tirar leite de pedra". Existe um momento em que, mesmo dominando muito bem as palavras e tendo o dom de reinventá-las de forma poética, nos sentimos impotentes, débeis diante daquilo que, se por muitas vezes pareceu ser o alívio, o remédio, num determinado momento se transforma no mais perigoso veneno.

Pode-se dizer que em alguns momentos da vida nos encontramos numa espécie de “farmácia”, na qual se torna difícil, e às vezes impossível, separar o remédio do veneno. O verdadeiro e o falso. O crédito da palavra e a palavra desacreditada. Saga Lusa parece ser para Adriana, sua autora, e o seu possível leitor, uma inequívoca alternativa para a solução desse problema. O remédio, o veneno e seu antídoto.

DEVENIR-DEVIR

(POEMA ABJETO)

para vera casa nova


do mais novo visível:
poema-ruptura
objeto

curto-circuito
em longas reinvenções
de tempo e espaço
na representação
do livro.

/.
pensar o abjeto
tocar o objeto
enlouquecer o subjétil.

Nas entrelinhas da leitura
uma carta luminosa
d e s c r e v e
tamanho afeto
c
o
n
s
t
r
u
i
d
o
no plural:

Multiplas vozes
Multiplos corpos
o livro é uma eterna continu-ação
do por vir.


a letra é a fronteira
entre o pulso
e o tom.
- livro-pensante -
mallarmaico dedilhar
das páginas
(em branco)

imag(em)ação
passagem:
paisagem

o livro por vir
se conclui
no encontro do

O U T R O.


[LIMA, Hugo]