sábado, outubro 04, 2008

O REMÉDIO, O VENENO E SEU ANTÍDOTO




Vem aí o livro Saga Lusa – o relato de uma viagem de Adriana Calcanhotto...

Voltei do segundo show pálida, trêmula, mas mantendo a pose no meu deslumbrante robe azul. Subi no elevador com uns africanos que se entreolhavam, tentando localizar de que tribo são as senhoras que andam de robe de veludo e havaianas, com uma braçada de flores na mão e olheiras que as fazem parecer um urso panda disfarçado de cantora – vestida e com a maquiagem borrada pela ex-mulher do Gerald Thomas. Eu tremia de frio, mas sorri, claro, pros africanos. Tomei um banho quentíssimo, durante longos minutos porque, pra mim, esta é a melhor hora dos shows e porque precisava me aquecer e não conseguia. Um urso panda certamente não se enganaria, mas eu, até então, não tinha me dado conta de que estava ardendo em febre e que um banho pelando não ajudaria muito, sabe que o QI das cantoras...

Eu mesmo já me encontrei em situações bem parecidas às que a Adriana relata no livro. No meu caso, a própria escrita era a febre. Já passei dias e noites de cama por simplesmente querer escrever o poema que não escrevi. Isso é o que chamam popularmente de "querer tirar leite de pedra". Existe um momento em que, mesmo dominando muito bem as palavras e tendo o dom de reinventá-las de forma poética, nos sentimos impotentes, débeis diante daquilo que, se por muitas vezes pareceu ser o alívio, o remédio, num determinado momento se transforma no mais perigoso veneno.

Pode-se dizer que em alguns momentos da vida nos encontramos numa espécie de “farmácia”, na qual se torna difícil, e às vezes impossível, separar o remédio do veneno. O verdadeiro e o falso. O crédito da palavra e a palavra desacreditada. Saga Lusa parece ser para Adriana, sua autora, e o seu possível leitor, uma inequívoca alternativa para a solução desse problema. O remédio, o veneno e seu antídoto.

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